A grande contradição de ser artista

O artista é livre para criar. Tudo o que o artista cria se destina ao mercado. Como é possível ser livre e vender num mercado? Não é possível. Ou será que o mercado compra coisas livres? Não compra coisas livres: condicionadas sim. A contradição de ser um artista cabeça, um humanista, um compositor austero com visão crítica da sociedade, e a necessidade de aderir as regras do mercado com galerias, administrar curadores, clientes, exposições dispendiosas, convivendo com pessoas ricas em suas grandes casas luxuosas e seus modos aristocráticos. Até o ponto em que o próprio artista se torna aristocrático.

Aderir ao sistema de arte, ser o artista bacana e bem sucedido, que se confunde com seus próprios clientes. Isto alivia a contradição? Ou agrava? O papel da arte é libertar o público, levar a reflexão, romper paradigmas, convidar a uma apreciação crítica. Nos bastidores os artistas negociam valores de orçamentos, pedem descontos, mantêm uma certa altivez como que tentando manter o nariz acima da linha d'água, distribuem tapinhas com a coluna ereta. Nas artes são eloquentes e arrojados, nas rodas sociais são lacônicos e comportados. Tem artista que só fala em palestra. À paisana não fala nada.

Os artistas são figuras muito sensíveis. Quando convém. São muito éticos nas relações comerciais, a não ser quando erram feio por causa de alguma "ingenuidade" afinal "não sabem lidar com dinheiro".

O exercício da liberdade criativa se consagra na exposição pública. A exposição pública exige condições prévias: boas obras, bom nome, boa iluminação, boa sala, bom público, boa apresentação, boa roupa, banho tomado, pelos da orelha aparados, bom texto, boas vendas, boa repercussão no face e nos jornais. Obra catalogada. Dieta. Cabelinho estranho. É assim a liberdade do artista.

Ricardo Ramalho

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